Ricardo Semler, opinião de um tucano da FIESP.
RICARDO SEMLER
TENDÊNCIAS/DEBATES
Nunca se roubou tão pouco
Não sendo petista, e sim tucano,
sinto-me à vontade para constatar
que essa onda de prisões de
executivos é um passo histórico para
este país
Nossa empresa deixou de vender
equipamentos para a Petrobras nos
anos 70. Era impossível vender
diretamente sem propina. Tentamos
de novo nos anos 80, 90 e até
recentemente. Em 40 anos de
persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios
quem não saiba disso. Nem qualquer
um dos 86 mil honrados funcionários
que nada ganham com a bandalheira
da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso
que mudou. Até em Paris sabia-se
dos "cochons des dix pour cent", os
porquinhos que cobravam 10% por
fora sobre a totalidade de importação
de barris de petróleo em décadas
passadas.
Agora tem gente fazendo passeata
pela volta dos militares ao poder e
uma elite escandalizada com os
desvios na Petrobras. Santa
hipocrisia. Onde estavam os
envergonhados do país nas décadas
em que houve evasão de R$ 1 trilhão
--cem vezes mais do que o caso
Petrobras-- pelos empresários?
Virou moda fugir disso tudo para
Miami, mas é justamente a turma de
Miami que compra lá com dinheiro
sonegado daqui. Que fingimento é
esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra
os nordestinos que garantiram a
vitória da presidente Dilma Rousseff.
Garantir renda para quem sempre foi
preterido no desenvolvimento deveria
ser motivo de princípio e de orgulho
para um bom brasileiro. Tanto faz o
partido.
Não sendo petista, e sim tucano,
com ficha orgulhosamente assinada
por Franco Montoro, Mário Covas,
José Serra e FHC, sinto-me à
vontade para constatar que essa
onda de prisões de executivos é um
passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter
acontecido com qualquer presidente.
Com bandalheiras vastamente
maiores, nunca a Polícia Federal teria
tido autonomia para prender
corruptos cujos tentáculos levam ao
próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do
PT, porque Dilma e o partido dela
enfiaram os pés pelas mãos em
termos de postura, aceite do sistema
corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós,
e preside o país num momento de
muito orgulho e esperança.
Deixemos de ser hipócritas e
reconheçamos que estamos a andar
à frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há
dezenas de outras estatais com
esqueletos parecidos no armário. É
raro ganhar uma concessão ou
construir uma estrada sem os
tentáculos sórdidos das empresas
bandidas.
O que muitos não sabem é que é
igualmente difícil vender para muitas
montadoras e incontáveis
multinacionais sem antes dar propina
para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses
executivos presos vão entrar
novamente com habeas corpus,
vários deles serão soltos, mas o
susto e o passo à frente está dado.
Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a
corrupção estima que 0,8% do PIB
brasileiro é roubado. Esse número já
foi de 3,1%, e estimam ter sido na
casa de 5% há poucas décadas. O
roubo está caindo, mas como a
represa da Cantareira, em São Paulo,
está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os
partidos que se alugam por dinheiro
vivo, e votos que são comprados no
Congresso há décadas. E são os
grandes partidos que os brasileiros
reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na
lama. Afinal, quem de nós não
aceitou um pagamento sem recibo
para médico, deu uma cervejinha
para um guarda ou passou escritura
de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto
contra esse veneno sistêmico é
homeopático. Deixemos instalar o
processo de cura, que é do país, e
não de um partido.
O lodo desse veneno pode ser
diluído, sim, com muita determinação
e serenidade, e sem arroubos de
vergonha ou repugnância cínicas.
Não sejamos o volume morto, não
permitamos que o barro triunfe
novamente. Ninguém precisa ser
alertado, cada de nós sabe o que
precisa fazer em vez de resmungar.
RICARDO SEMLER , 55, empresário, é
sócio da Semco Partners. Foi
professor visitante da Harvard Law
School e professor de MBA no MIT -
Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (EUA)
Os artigos publicados com
assinatura não traduzem a opinião
do jornal. Sua publicação obedece
ao propósito de estimular o debate
dos problemas brasileiros e mundiais
e de refletir as diversas tendências
do pensamento contemporâneo.
Comentários