Escandalo na FIFA. prisões e venda de ingressos ilegal.
CEO da Match, associada da FIFA
que tem exclusividade de venda de
ingressos da Copa, vai ter que abrir
o bico
A queda, quase impossível de
assimilar, está na expressão
perplexa de Ray Whelan. Em apenas
alguns minutos, ele despencou do
luxuoso Hotel Copacabana, onde
desfrutava da companhia agradável
dos que mandam no futebol, a um
carro de polícia – “Venha por aqui,
senhor” – e dali para uma noite em
uma cela na 18ª Delegacia de
Polícia. Os próximos passos serão
um interrogatório, em breve, e quem
sabe um julgamento seguido de
anos em uma das terríveis prisões
brasileiras.
Ray Whelan vai ter que abrir o bico.
Ele sabe tudo o que se pode saber
sobre a gangue dos ingressos da
Copa do Mundo. Ele sabe qual dos
dirigentes do futebol recebe as
pilhas de ingressos para revender
no mercado negro. Ele está no
coração desse negócio há quase
duas décadas.
E Ray terá que falar sobre a relação
íntima entre o presidente da Fifa,
Sepp Blatter, e a empresa familiar,
controlada pelos irmãos mexicanos
Jaime e Enrique Byrom em seu
escritório em Manchester, na
Inglaterra, que mais uma vez
ganharam os contratos para
controlar a venda absoluta e
exclusiva de todos os 3 milhões de
ingressos para os 64 jogos da
Copa.
Ray Whelan na delegacia no Rio de
Janeiro.Foto: Conexão Jornalismo
A decisão crucial de quem fica com
esse contrato é de Blatter, que
gerencia a FIFA desde 1981 –
primeiro como secretário geral e a
partir de 1998 como presidente. Ele
domina o Comitê Executivo e é
fartamente recompensado pelo seu
trabalho. Tudo que ele decide, eles
assinam embaixo. Nos últimos três
anos, sete deles tiveram que sair
sob denúncias de corrupção. A
reputação da FIFA nunca esteve tão
suja.
Os irmãos, ambos nos seus 60
anos, recebem as ordens, decidem
quem são os sortudos da vez, e
dividem grandes lotes de ingressos
entre os aliados de Blatter e seus
clientes no mercado negro. Daí a
FIFA anuncia que ela é “a polícia”
dos ingressos, e que vai investigar
as vendas “não autorizadas”.
Ray, que completou 64 no ano
passado, vive com a irmã dos
Byrom, Ivy, na cidade de Stockport,
em Manchester. Ray sabe como
eles compraram a Match, que vende
os ingressos para aquelas
caríssimas salas envidraçadas VIPs
em todos os estádios “Padrão
FIFA”. E o Ray sabe muito bem por
que – e como – uma parcela da
parte mais lucrativa do negócio foi
desviada para o bolso do sobrinho
de Blatter, Philippe, que tem 5% das
ações da Match.
Por ironia Ray foi preso no mesmo
hotel que já encantou Rita Hayworth
e Marilyn Monroe, a princesa Diana
e Mick Jagger!
Para ajudar os Byrom Brothers e
Ray a garantir os serviços de
acomodação da Copa, a FIFA lhes
deu um empréstimo de cerca de US
$ 10 milhões, sem juros, para ser
pago em janeiro do próximo ano.
Os investigadores da polícia vão
querer saber tudo sobre isso. Não
são os mesmo policiais brutais que
estão nas ruas do Rio prontos para
jogar bombas de gás lacrimogêneo
e bater naqueles que protestam
contra os gastos da Copa e a
corrupção. São trabalhadores
sofisticados, investigadores de
fraudes, que passaram três meses
monitorando a venda de ingressos,
interceptando legalmente ligações
telefônicas e agora estão expondo a
corrupção intrínseca que mancha a
FIFA. A prisão de Ray pode ter
acontecido porque ele fez alguns
telefonemas a mais…
Fabio Barucke, o delegado da
Polícia Civil do Rio que está
liderando a investigação da ligação
entre os dirigentes da FIFA, os
distribuidores oficiais de ingressos
e as vendas no mercado negro,
disse que a FIFA distribui enormes
quantidades de ingressos para seus
patrocinadores e parceiros,
garantindo a escassez de ingressos
para o público e incentivando os
cambistas. “Só uma pequena parte
foi destinada ao povo“, o delegador
afirmou em uma coletiva de
imprensa na última semana.
Ray Whelan se une agora aos
outros 11 detidos na semana
passada. O líder Mohamadou
Lamine Fofana, de 57 anos,
suspeito de liderar a quadrilha
desde a Copa de 2002, exibe
orgulhosamente uma foto sua com
Sepp Blatter no seu site.
Ray não estava ainda no esquema
quando os irmãos Byrom entraram
no negócio dos ingressos na Copa
de 1986 no México. Eles foram
favorecidos pelo ex-presidente da
FIFA, João Havelange, e o negócio
decolou. Estabeleceram uma
empresa na Ilha de Mann, e contas
bancárias internacionais. Anos
depois, Ray se envolveu com a irmã
Ivy Byrom, e então se tornou o
“terceiro irmão” nessa pequena
empresa.
Em 2003, apesar dos problemas em
Copas anteriores, Sepp Blatter deu
aos mexicanos Jaime e Enrique o
contrato para vender ingressos para
a Copa do Mundo no Brasil. Eles
separaram 450.000 dos melhores
ingressos para vender em pacotes
de hospitalidade através da
famigerada Match para os
torcedores endinheirados, incluindo
24 mil para as partidas das
Semifinais e 12 mil para a Final.
As regras da própria FIFA proíbem a
revenda de ingressos com ágio – o
cambismo. Mas nesta semana,
ingressos dos pacotes de
hospitalidade para a Final podem
ser comprados pela internet por US
$27.500, e ingressos normais, por
US$11.000. Seja quem for que os
está vendendo, eles só podem ter
sua origem no escritório dos Byrom
em Manchester.
Quem investiga o quê?
Em 2006 os Byroms foram pegos
entregando mais de 5 mil ingressos
para o vice-presidente da FIFA,
Jack Warner, vender no mercado
negro. Apesar da quebra
escandalosa das próprias regras da
FIFA, nenhuma atitude foi tomada
contra os Byroms ou Warner.
Por incrível que pareça, eles
fizerem tudo de novo na África do
Sul em 2010, fornecendo mais
ingressos para Warner vender para
grandes cambistas do mercado
negro internacional. A
correspondência confidencial por e-
mail foi copiada, descaradamente,
para a FIFA e a empresa Infront, de
Philippe Blatter. De novo, nenhuma
providência foi tomada. Warner teve
que sair da FIFA um ano depois por
outras acusações de corrupção.
Mas para os irmãos Byrom, a FIFA é
um pote de ouro infindável. Em
novembro de 2011 os contratos de
hospitalidade com a Match foram
estendidos até 2023 “após uma
avaliação do mercado” pela FIFA.
Disse Blatter: “O acordo fortalece a
luta da FIFA contra o cambismo.
Graças à sua expertise e sistema
de monitoramento, a Match
Hospitality está em posição de
ajudar a FIFA a adotar
procedimentos na venda de pacotes
de hospitalidade, impedindo
vendedores não autorizados a
enganar corporações e indivíduos
lhes vendendo esses pacotes”.
Os Byroms anunciaram essa
semana que a FIFA pediu que eles
mesmos investiguem a revenda de
pacotes de hospitalidade.
Um ingresso em nome de Humberto
Grondona, filho do vice-presidente
da FIFA, o argentino Julio
Grondona, foi encontrado à venda
em São Paulo. Os dirigentes da
FIFA disseram que ele não será
investigado porque afirmou ter dado
o ingresso, e não vendido.
Uma nota da Match afirmou que a
empresa “tem fé” que os fatos irão
demonstrar que Ray Whelen “não
violou nenhuma lei”.
Em “O Globo” de hoje:
Ricardo Teixeira abriu portas no
país para executivo acusado de
chefiar cambistas
Ricardo Teixeira, ex-presidente da
CBF, foi quem apresentou o
executivo Raymond Whelan, da
Match Services, a autoridades
brasileiras de turismo, abrindo as
portas do país para a empresa
explorar a rede hoteleira, obtendo
lucros extraordinários.
O secretário-geral da Confederação
Nacional do Comércio (CNC), Eraldo
Alves da Cruz, revelou, nesta terça-
feira, que, em 2008, um ano depois
de o Brasil ser escolhido para
sediar o Mundial, recebeu uma
ligação de Whelan. Na época, Cruz
era o presidente nacional da
Associação Brasileira da Indústria
de Hotéis (ABIH). Ele confirmou que
o executivo ligou dizendo falar em
nome de Ricardo Teixeira e
agendou um encontro com ele em
Brasília.
— Na reunião, que acabou
acontecendo no meu gabinete, na
sede nacional da ABIH, Whelan,
embora falasse pela Fifa,
apresentou um cartão da empresa
Byrom (inglesa), subsidiaria da
Match. Explicou que estava no
Brasil para cuidar da hospedagem
durante a Copa — contou Cruz.
O secretário-geral da CNC disse
que conheceu Ricardo Teixeira em
2007, durante um evento no Cristo
Redentor.
— Ricardo Teixeira estava
caminhando sozinho, chegando ao
Cristo, eu me aproximei, me
apresentei e entreguei meu cartão.
Não o conhecia — afirmou Cruz.
A partir de 2008, depois do
encontro com o então presidente da
ABIH, Whelan correu o país
mantendo encontros com os
representantes da rede hoteleira,
fechando negócios.
— Como eram muitas exigências,
como o bloqueio dos quartos e das
reservas, muitos estados resistiram
em aderir. São Paulo foi um deles.
Mas, no fim, todo mundo aceitou.
Agora, Whelan nunca se apresentou
como responsável também pelos
ingressos. Só falava conosco de
hospedagem. Ninguém imaginou
tudo isso. Estou muito surpreso —
disse Cruz.
A Match é suspeita de ter
superfaturado o preço de diárias de
hotéis nas 12 cidades-sede do
Mundial, prejudicando o país, que
ficou marcado como destino caro.
O caso é investigado pelo
Ministério Público Federal e o
Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), que instaurou
um inquérito administrativo. Whelan
foi preso na segunda-feira pela
Polícia Civil suspeito de
envolvimento na venda ilegal de
ingressos para os jogos da Copa.
Ricardo Teixeira também teria
atuado nos bastidores junto à Fifa e
aos executivos da Match Services
para beneficiar o Grupo Águia, do
seu amigo paulista Wagner
Abrahão, que ficou com os direitos
de ser o vendedor exclusivo no
Brasil dos ingressos corporativos,
ou VIPs, para os jogos da Copa.
Em 1998, na Copa da França, a
Águia foi acusada de lesar
torcedores, que compraram
ingressos mas ficaram fora do
estádio na final. Ele foi processado
e pagou uma multa para deixar a
França. O processo foi arquivado.
Segundo o site da empresa, a
escolha para ser representante da
Match durante a Copa aconteceu
em 2011 e foi comemorada.
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